Sabe-se que a Maçonaria Especulativa derivou-se da Operativa, sendo considerada como um sistema de moralidade cujos ensinamentos estão contidos em símbolos e alegorias relacionados à atividade operária de construção e transmitidos por meio de dialéticas e narrativas. Esse sistema possui diferentes vertentes, conhecidas como ritos, as quais possuem um eixo comum de conteúdo básico, concentrado especialmente nos chamados “Graus Simbólicos”, e diferenciando-se em algumas práticas, conceitos e nos demais graus, quando existentes.
A Maçonaria não é uma instituição fechada cujos membros estão isolados do restante da humanidade. Pelo contrário, a Maçonaria esteve e está em constante interação com as sociedades nas quais é inserida, sendo seus membros cidadãos ativos nessas sociedades. Dessa forma, natural que seus ritos surgissem sob a influência da cultura, religiosidade e características da sociedade da qual pertence seus membros.
Nesse cenário, pode-se dividir a maioria dos ritos maçônicos praticados atualmente em dois grupos, conforme seus desenvolvimentos regionais: ritos latinos e ritos anglo-saxões. Apesar de uma estrutura original comum, anglo-saxônica, datada entre o século XVI e o XVII, o século XVIII tratou de distanciar as práticas maçônicas latinas daquelas do Reino Unido. No lado latino, tendo a França como principal berço, muitas foram as influências místico-esotéricas na Maçonaria, por conta do modismo esotérico que ocorreu naquele país durante o Século XVIII. Porém, isso não impediu que a influência religiosa do catolicismo também marcasse seus ritos. Já entre os anglo-saxões, o esoterismo e a religiosidade não encontraram tanto espaço na Maçonaria, esbarrando no senso rígido de conservação de tradições e instituições por parte de seus povos.
Focando no aspecto religioso, características muito nítidas permaneceram em alguns ritos latinos, evidenciando a influência religiosa, predominantemente católica, sobre os mesmos. Tomando o Rito Escocês Antigo e Aceito como exemplo, filho do francês Rito de Perfeição, pode-se observar algumas dessas heranças:
- A “Sala da Loja”, como é conhecido tradicionalmente o local de reuniões das Lojas, teve seu status modificado para “Templo”;
- Não somente adotou-se o status de “Templo”, como também a necessidade de uma cerimônia específica para “sagrá-lo”, característica típica das igrejas católicas;
- A planta do Templo, geralmente retangular, ganhou um formato arredondado na parede do Oriente, comum em várias igrejas. Algumas Obediências abandonaram essa característica nas plantas de seus rituais do REAA pelos custos de construção;
- O Oriente tornou-se mais elevado que o Ocidente e ganhou uma “balaustrada”, uma grade separando o Oriente do Ocidente, como em igrejas católicas seculares;
- A bolsa de coleta de dinheiro da Igreja passou a circular entre os membros da Loja, com fins de solidariedade.
Essas e outras características indicam a forte influência que o catolicismo teve sobre os ritualistas franceses quando do desenvolvimento de seus primeiros ritos, características essas sobreviventes em muitas versões atuais do REAA. Conhecer a origem dos diferentes elementos que compõem os ritos maçônicos é de suma importância para a compreensão do que é realmente próprio da Maçonaria e o que foi incorporado no desenvolvimento de cada rito, herança sociocultural daqueles que os consolidaram.
caro kennyo, mas uma vez um ótimo texto para aprimorar o conhecimento dos irmãos, porem, gostaria de tirar uma duvida. baseado nessas informações, qual seria o rito mais próximo da maçonaria original ou primitiva? se possível, pode dar alguns exemplos baseados nos exemplos que você dá nesse artigo?
Desde já agradeço e mais uma vez parabéns!!!
tfa
Cristiano Campos.’.
Kennyo Ismail – Meu Irmão Cristiano, em primeiro lugar, creio que seja importante reforçar que o fato de um rito ser mais “distante” do praticado nos primórdios da Maçonaria Especulativa não significa que ele seja ruim, pois isso seria um juízo de valor. Mas é importante sabermos o quão distante é ou não. Creio que os rituais mais próximos ainda trabalhados são o de Webb-Preston, visto Webb ter codificado o trabalho de Preston, que foi VM da Loja #001, a qual existia “desde tempos imemoriais”; e o Ritual dos Antigos, como é ainda praticado por algumas Lojas na Pensilvânia, muito próximo do de Webb, mas herança da Grande Loja dos Antigos. Ambos os rituais são do Século XVIII e em registro a práticas muito anteriores, além de terem sido muito bem preservados, sem as modificações periódicas que os ritos latinos constantemente sofrem.
muito bom!!!
Mais um presente do Ir.’. Kennyo.Obrigado
Ir.’. Kennyo
Muito boa a explanação, parabéns pela colocação clara e de fácil entendimento.
Sou membro de uma loja do rito emulação, e é nossa constante preocupação buscar as raizes da ritualística e podar os enxertos de outros ritos em nossa oficina (enxertos esses mais que normais, visto que a maioria dos irmãos vieram de lojas do rito escocês, trazendo junto vicios de anos de outros rituais) criamos uma comissão de ritualística na nossa loja para estudos e ensinamentos. Tivemos a oportunidade de enviar um grupo de irmãos para a United Grand Lodge of England onde participaram de reuniões regulares, o que nos trouxe grande avanço no aperfeiçoamento do nosso ritual.
É muito importante textos como este, visto que ainda há certa resistência de irmãos em retirar certos enxertos que acho necessarios, pois tenho uma formação evangélica e certas práticas na maçonaria me incomodavam, como (Consagração do templo, Loja = Templo, São João nosso Patrono, etc.) no ritual emulação é bem simples sem enxertos onde qualquer irmão de qualquer crença poderá participar de uma reunião sem que se incomode com determinados procedimentos. Um Abraço e parabéns!!!
é uma sociedade discreta ou secreta ou ambas
Meu mui respeitável Irm.´. Kennyo,
Gostaria do valoroso parecer do nobre Irm.´. a respeito da vertente maçônica cujos baluartes no Brasil são Da Camino e Armando Righetto, autores que tenho uma certa predileção. Gostaria de salientar que, não obstante uma certa preferência pela aludida corrente, qual seja, a dos místicos, considero de suma importância a análise meticulosa sobre a história e documentos da ordem, como um Antonio do Carmo e Castellani e das suas enriquecedoras contribuições para a construção do conhecimento maçônico em terras brasileiras. Essas correntes são mesmo conflitantes como apregoam alguns iirm.´.?
Att,
Irm.´. Ícaro Bandeira
Apr.´. Maç.´.
GOIPE/COMAB
Kennyo Ismail – Meu Irmão Ícaro, obrigado pelo comentário. Digamos que a Epistemologia Maçônica é uma linha. Você teria o máximo de subjetivismo na ponta esquerda da linha (não importa os fatos e sim o que penso e sinto) e o máximo de objetivismo (positivismo) na ponta direita da linha (não importa o que penso e sinto e sim os fatos). O meio exato da linha seria o ponto neutro. Eu colocaria Da Camino próximo da ponta esquerda da linha. Já Castellani estaria no lado direito da linha, porém mais próximo do centro do que da ponta. Se seriam conflitantes? Nessa perspectiva, os pontos, quanto mais distantes, são mais conflitantes, e quanto menos distantes, menos conflitantes.
Olá Ir.’. Kennyo
Excelente tema para geração de debates.
Gostaria de saber como seria possível termos acesso aos manuais destes antigos ritos (Webb-Preston e dos Antigos) para estudo e esclarecimento de suas diferenças dos ritos latinos.
AM Guilherme Dallago Pioczcovski
ARLS Luz de Moriah 121 GOSC/COMAB
Rito Brasileiro
Concordo plenamente com tudo o que o irmão falou, exceto a questão de que os ritos anglo-saxões foram menos influenciados pelas questões religiosas. Toda a alegoria maçônica é de origem bíblica, os rituais estão recheados de conceitos e citações bíblicas (mesmo nos ritos anglo-saxões), isso sem falar no caso do York e das Ordens de Aperfeiçoamento inglesas como graus como os graus de cavalaria religiosa.
Creio que a influência nos ritos latinos seja maior por conta do catolicismo possuir mais elementos visíveis e facilmente identificados, enquanto os ritos anglo-saxões combinam mais com o despojamento evangélico e isso eventualmente pode os tornar menos explícitos que seus irmãos latinos.
Kennyo Ismail – Meu Irmão Morôni, entendi seu raciocínio. Creio que estamos falando a mesma coisa, mas de formas diferentes. No entanto, se observarmos os rituais não-apócrifos anteriores a 1730 e compararmos com os que temos hoje, veremos que os anglosaxônicos sofreram menos enxertos, não apenas religiosos, mas de todos os sentidos, em comparação aos latinos que, além dos enxertos católicos, sofreram enxertos cabalísticos, numerológicos, astrológicos, alquímicos, etc.