“O papel aceita tudo” é um ditado no meio jornalístico e literário, que reflete a facilidade de se publicar mentiras, enquanto as pessoas tendem a acreditar em tudo que é publicado.
No mundo da dualidade, há bem e mal, certo e errado, doce e salgado, amor e razão, etc. De certa forma, para que um exista e se identifique como tal, seu oposto também precisa existir. Isso porque você nunca saberia que algo é salgado até experimentar algo doce…
A Antimaçonaria existe no Brasil desde que a Maçonaria aqui se instalou. Ela teve seus momentos de efervescência, como quando na Questão Religiosa, nos anos 1870, e também na Era Vargas, com Gustavo Barroso e os Integralistas. E atualmente, com o crescimento de um conservadorismo mais extremista, os intolerantes e reacionários estão saindo dos porões e dos armários, livres para pedir ditadura, realizar saudações nazistas, perseguir umbandistas e… falar mal da Maçonaria.
É nesse contexto que novas peças antimaçônicas têm surgido no Brasil. Apesar de “novas”, não inovam na mensagem, repetindo aquelas mesmas mentiras tão desmentidas de Leo Taxil e seus seguidores. Elas têm feito companhia a peças antiprotestantismo, antilaicismo, anti-república, etc. Recentemente, comentei sobre uma dessas peças, um vídeo apresentado com ares de documentário, mas que, na verdade, era 100% doutrinação: “Como a Maçonaria destruiu o Brasil?”, de Danuzio Neto.
Agora, algumas editoras católicas independentes entraram na brincadeira. É o caso da obra “A REPÚBLICA MAÇÔNICA: como produzir a corrupção universal”, da editora Santa Cruz. O sumário do livro traz uma série de “documentos maçônicos” para comprovar sua teoria: Instrução secreta e permanente da Alta Venda, Novos planos da Alta Venda, Escrúpulos da Alta Venda, O fracasso da Alta Venda, Últimas esperanças da Alta Venda, etc.
Se você se sentiu envergonhado, pois, enquanto um maçom experiente, nunca nem ouviu falar desses “documentos maçônicos” tão importantes, e nem sabe o que é essa tal de “Alta Venda”, não se preocupe. Esses documentos não são maçônicos! São da Carbonária Portuguesa. Mas os editores da obra não se importam, pois o objetivo é exatamente difamar a Maçonaria para seus leitores.
Outro que vem prestando esse desserviço é o Centro Dom Bosco. Em sua apresentação, o centro afirma que “o Brasil é uma nação católica que foi adormecida pelo veneno liberal das casas maçônicas” e eles surgiram para “contrapor o erro”. Que erro? O da liberdade religiosa, promovida pelo “veneno liberal” da Maçonaria no Brasil. Aos evangélicos, espíritas, umbandistas, judeus, muçulmanos, budistas e demais não-católicos, sentimos muito pelo inconveniente.
O Centro Dom Bosco tem até um combo de cinco livros, intitulado “Maçonaria, inimiga da Igreja”. Num deles, “Assassinato em 33º grau”, sugere que a Maçonaria estaria por trás da morte de um Papa. Na sinopse de outro, “Católicos, ao combate!” (“ao combate”??? Perdoai-os, Deus…), afirma que “A revolução franco-maçônica de 1789 criou uma fratura na sociedade que até hoje não foi resolvida”. De fato, acabar com uma monarquia absolutista, onde não havia liberdade religiosa, política e intelectual, e onde ainda imperava a Inquisição, foi uma grande “fratura na sociedade”… Eu ficaria orgulhoso se tivesse sido a Maçonaria a protagonista da Revolução Francesa, mas não… foi a própria sociedade, cansada de abusos.
Venho, desde, pelo menos, fevereiro de 2022, alertando sobre essa onda crescente de ultraconservadorismo no Brasil e, consequentemente, de antimaçonismo. Estamos revivendo a década de 30, nesse sentido. Se quem não conhece sua história está fadado a repeti-la, devo recordar que a Maçonaria acabou sendo fechada naquela época. Esse, infelizmente, é o sonho e o projeto de vida das pessoas que estão por trás de toda essa propaganda antimaçônica. E, pelo Paradoxo da Tolerância, para que possamos continuar a ensinar e a praticar a tolerância, não podemos ser tolerantes a isso.
Interessante e bem escrito, Kennyo. Porém, o “ultraconservadorismo”, a julgar por suas tintas antimaçônicas, existe em todos os absolutismos e totalitarismos – melhor ainda, de todos os ISMOS, não existe? Kerensky era Maçom, pelo que sei. Mas Hitler, Mussolini, Stalin e todos da turminha pré e pós expurgos do partidão não eram…
Kennyo Ismail – João, com certeza. Independente de “lado”, os extremos são sempre autoritários, intolerantes e violentos. O caminho bom, como os orientais dizem, é o “caminho do meio”: o mais distante de qualquer extremo. Contudo, muitos são os que se apegam aos lados, em vez de aos valores. No mundo civilizado e racional, quem ama a democracia e a liberdade se une, independente das diferenças ideológicas, contra os extremos. Já no mundo do oba-oba, das paixões futebolísticas, quem está na esquerda acha que deve defender a extrema-esquerda, e quem está na direita defende a extrema-direita. E aí, vivem numa permanente dissonância cognitiva, recorrendo a relatividade e a fakenews para sustentar suas posições… Hoje, o mal que ataca a Maçonaria no Brasil é a versão tupiniquim dos WASPs. Já o mal que proíbe a Maçonaria na China é o do livrinho vermelho. Dois extremos, mas sou maçom brasileiro e o daqui ainda podemos combatê-lo.
Ótima reflexão, meu caro Kennyo!
Já há algum tempo tenho percebido a ascensão de tais grupos católicos antimaçônicos. Interessante é que querem ser mais católicos que o Papa. Alguns insistem em uma excomunhão que já foi revogada desde 1981. Isso, não são sedevacantistas. Enfim…
No dia a dia, pelo menos na minha concepção tais arroubos não afetam muito a Ordem, tanto que a maioria dos maçons são católicos. O que me entristece é a mudança de postura das Igrejas Protestantes tradicionais. Nossa Loja, por exemplo, não tem nenhum protestante e é praticamente impossível arregimentar um batista, ou adventista, assembleiano… Lamentável.
Kennyo Ismail – Ir. Vicente, a preocupação é que, com a ascensão desses grupos, a Igreja Católica no Brasil apresente um maior endurecimento nessa questão, levando a um cenário antimaçônico similar ao de outras igrejas.
Meu Ir Kennyo, não duvido nada que essa preocupação torne-se uma realidade. Parabéns pelo trabalho!
Prezado Ir:. Kennyo:
Felicito-o pelo texto e abordagem, cujo tema muito tem sido relegado e omitido por várias de nossas autoridades e Potências.
Gostaria de acrescentar que ao lado destas narrativas destrutivas e ofensivas à Ordem, que temos observado na imprensa, em livros, inclusive com vídeos e declarações, estão aqueles membros da Ordem, que com práticas e condutas, somente fazem desacredita-la e desonra-la perante a sociedade, se constituindo estes nos mais perigosos e devastadores elementos do edifício maçônico.
Os WASPs – white, anglo-saxon and protestant deixaram suas influências e práticas na educação, imigração, cidadania, propriedade, eleições enfiam na vida em sociedade, inclusive no Brasil.
“A Ku Klux Klan (KKK) ou simplesmente Klan surgiu nos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, originou-se tendo como inspiração os ideais supremacistas brancos” advindos das crenças dos WASPs.
Assinalo o endereço https://www.espada.eti.br/maconaria.htm com grande influência e patrocinado por membros protestantes que se alinham em muitas das crenças e práticas WASPs, presentes no Brasil e em algumas igrejas protestantes.
Excelente texto, como sempre.
Pessoas com essa conduta e ponto de vista são quem nos fazem acreditar na evolução de nosso mundo.
Ouso ressaltar que existem muitos maçons , demasiados, com atitudes anti maçônicas, defendendo ditaduras, atitudes fascistas e sendo extremamente intolerantes.
Comungo de vosso entendimento.
Olá meu Ir.·., muito interessante e pertinente seu artigo, ainda mais hoje em dia, ao que a polarização tornou+se quase que uma obrigatoriedade para se “viver” em sociedade. A tolerância tornou-se seletiva e a política da boa vizinhança deu lugar ao extremismo. Digo-lhe, o mal do seu século tornou-se a ideologia cega e polarizada. TFA
Até quando deixaremos canais do youtube com milhares de seguidores, milhões de visualizações, falarem que somos filhos do diabo, comedores de bebês, dominadores do mundo e tudo de ruim?
Não cabe processar estes imbecis?
Belo texto, Professor. Ele abre a possibilidade de, através de um olhar atento e crítico, identificar que a narrativa conservadora e reacionária, muitas vezes de caráter fascista e promotora de uma determinada eugenia do pensamento político, também aflorou, nos últimos anos, nas fileiras da Ordem Maçônica de nosso país. Não foi raro escutar que as Lojas deveriam “expurgar” todos aqueles que não estivem convergentes com o staff político que ocupava, em um dado momento, a direção do Brasil.