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O PARADOXO DA TOLERÂNCIA NA MAÇONARIA

A facilidade de acesso a meios de comunicação, em especial redes sociais virtuais, num estado democrático de direito como o Brasil, dá ao cidadão total liberdade de se expressar livremente, ao mesmo tempo em que se tem a percepção de segurança, de blindagem, por se estar atrás de um PC, celular ou tablet, onde e quando seus atos não trazem consequências físicas, reais, imediatas.

O reflexo disso, num cenário em que deve-se considerar diversos fatores, como a persistente crise política e econômica; os casos de corrupção e toda sua exploração midiática; o crescimento da classe média por meio da ascensão de uma nova classe C, com acesso a informação, mas sem escolaridade; tem sido uma maré alta e persistente de intolerância e ódio, escancarada a cada momento que se acessa redes sociais e lê-se as notícias atuais.

Intolerância ideológica, política, social, racial, religiosa, sexual, dentre outras, tomam conta de pessoas menos esclarecidas, que promovem o ódio, desejando a morte daqueles considerados como diferentes e, em muitos casos, inferiores; e torna-se uma praga, uma epidemia, contaminando aqueles mais sugestionáveis. Esse público intolerante quer mudanças drásticas no país, muitas vezes alimentando um nacionalismo extremista, mas, sem interesse de se esforçar para fazer sua parte, prefere seguir a antiga cartilha de escolher um messias que “salve a pátria”, como os alemães fizeram com Hitler.

O filósofo Karl Popper, um liberal, defendia que a parcela tolerante da sociedade não pode ter tolerância ilimitada com os intolerantes, por risco de condenar a tolerância à morte. Outro filósofo e liberal assumido, John Rawls, corroborava ele, ao defender que é dever da sociedade tolerante preservar seus membros e instituições de toda e qualquer investida de intolerância, externa ou mesmo interna.

A célebre manifestação de Martin Luther King era exatamente sobre isso, sobre sua preocupação, não com os gritos dos maus (intolerantes), mas com o silêncio dos bons (tolerantes). Similarmente, na doutrina espírita, em um de seus livros mais célebres, há uma passagem que diz que “os maus são intrigantes e audaciosos, e os bons são tímidos. Quando os bons quiserem, predominarão”. Passagens similares podem ser encontradas em outras culturas, doutrinas e religiões.

Na Maçonaria, ensina-se a tolerância, mas também prega-se o combate à tirania, à ignorância e ao fanatismo, que são causas e consequências da intolerância. Entretanto, em vez de combater, muitos irmãos têm “entrado na onda” e feito coro em discursos de ódio. Cabe à Maçonaria (ou seja, nós, maçons), não promover “o silêncio dos bons”, mas instruir esses irmãos, aconselhá-los e, quando necessário, repreendê-los. Ainda, se a intolerância persistir, afastá-los, de modo a preservar os bons maçons (tolerantes e, geralmente, silenciosos) e, principalmente, a sublime instituição maçônica e seus princípios morais, que devem se manter imaculados. Pois, se um maçom discorda do princípio maçônico da tolerância, desejando que a única tolerância seja aquela dos demais perante à intolerância dele, se ele se sujeita aos vícios da ignorância e do fanatismo, ou é favorável à tirania, seu lugar não é entre nossas colunas.

Mas um outro mal, mais frequentemente observado no meio maçônico e de forma periódica, está diretamente relacionado a esse paradoxo da tolerância e, de certa forma, comprova a teorização de Popper sobre o mesmo. Em uma Loja há, sem sombra de dúvidas, homens bons e, portanto, tolerantes. Mas, vez ou outra, corre-se o risco de que um ou outro membro da Loja tenha um caráter mais ambicioso, vaidoso, mesquinho. Nesse caso, esse irmão desejará ser Venerável Mestre antes de chegada a sua hora para tal, em detrimento da vontade da maioria, de outros irmãos mais bem preparados, e dos melhores interesses da Loja. Ele é, geralmente, intolerante à ideia de vencer suas paixões e sujeitar sua vontade e insistirá, de diferentes formas, para que sua vontade seja saciada. E, por diversas vezes, vemos os bons irmãos, em nome da tolerância, silenciosos, sujeitando uma vontade coletiva e altruísta em benefício de uma individual e egoísta, permitindo que aquele irmão intolerante, por ambição e vaidade, alcance seu intuito de se tornar Venerável Mestre. E, em alguns desses casos, o resultado posterior é o adormecimento de muitos bons membros e, até mesmo, o abater colunas de Lojas.

A intolerância, enfim, matando a tolerância. O individual sobrepujando o coletivo. E a maçonaria morrendo aos poucos. Por essa razão: tolerância zero à intolerância dentro e fora da Maçonaria.

10 comentários sobre “O PARADOXO DA TOLERÂNCIA NA MAÇONARIA

  1. Geralmente os maçons brasileiros, pela minha experiência de vida maçônica, são muito tolerantes na esfera religiosa. Agora, quando entra na esfera política…

    Cansei de exortar irmãos posicionando-se politicamente em redes sociais dando “carteirada” de maçom, em grupos de Whats restritos às Lojas e (o que é pior!) até mesmo dentro de uma sessão maçônica. Mas me parece que a exortação não serviu para nada.

    Gosto de pensar que a tolerância deva alcançar qualquer posicionamento político, ideológico, religioso e cultural diversificados, desde que tais posicionamentos não aviltem a dignidade humana e, consequentemente, os direitos humanos. Os direitos humanos e seus valores sobrepõem a qualquer viés político-ideológico. A partir do momento que o viés político denigre o ser humano, daí o maçom deve posicionar-se com firmeza e resolução, sem a pseudo-tolerância de uma atitude permissiva e pusilânime.

    Parabéns pelo trabalho! (Eu não sumi, não, mano. Vivo acompanhando diariamente o blog em silêncio…)

  2. Excelente artigo.

    Temos muitos maçons intolerantes à quaisquer diferenças, fazendo Hitler parecer uma menininha indefesa.

    Muitos maquiam sua intolerância e apego às diferenças mundanas, aos famigerados bons costumes, moral e etc… Deturpando a essência da maçonaria.

    Assim, só nos resta aguardar o fim da maçonaria.

  3. Artigo J.’. e P.’., meu Ir!
    Parabéns!

  4. Meu tio, a tirania não se caracteriza pela intolerância – não diretamente – mas sim pela supressão progressiva da liberdade. E para se restringir a liberdade o tirano pode usar qualquer justificativa inclusive de que tais ou quais pessoas ou ideias não podem ser aceitas por considera-las “intolerantes”.

    Na verdade, quanto maior a aparência de uma causa nobre, quanto maior seu apelo emocional, mais tirânico, cínico, intrusivo e implacável é um regime totalitário.

    Kennyo Ismail – Felipe, no texto não foi apresentada a intolerância como consequência (ou mesmo característica) da tirania. Na verdade, é uma de suas causas, conforme Voltaire. Um tolerante não se torna um tirano.

  5. Excelente texto, meu irmão.
    Por vezes me vi tentando intervir em fluxos de ideias que claramente iam contra os ideais maçônicos em debates (geralmente virtuais) com outros irmãos. Sem muito sucesso. Mas sigamos na batalha, fazendo a nossa parte e tentando ser Luz onde quer que estejamos!

  6. Estou assustado com a Ordem. Como podem nossos IIr∴ ser tão fanáticos, retrógrados, intolerantes e ignorantes por opção, se esses são justamente os principais vícios que nos propomos a combater?

  7. Estimado Irmão Ismail,
    Texto irretocável, inclusive pode servir como doutrina àqueles que insistem em ferir nosso Código de Ética Maçonico no âmbito do GOB.
    Receba meu votos de felicitações por essa excelente Peça de Arquitetura.
    Fraternalmente,
    Ir Renato Araujo Junior
    Loja Tabajara n.° 3899, GOBPB.

  8. A ontolerancia se manifesta quando nao se aceita a discussao de qualquer tema. A LIBERDADE e reprida por os intolerantes. O Debate tem que ser estimulado e nao estinguido em nome do tempo ode qualquer outro expediente. Como se pode Progressar sem devater? Quenes sao os intolerantes aqueles que nao queren ouvir outras verdades.

  9. Boa tarde, texto muito atual e parabéns!

  10. Parabéns meu Ir. texto excelente, estou pesquisando na internet justamente para fazer um trabalho sobre a tolerância, a obra escrita do irmão veio aclarar as idéias, sendo perfeito o vosso raciocínio e ensinamento.

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