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Ser ou não ser uma federação maçônica? Eis a questão.

Estamos acompanhando o atual problema de relacionamento entre GOB-MG e GOB, problema este que se arrasta desde a época de Amintas e Eduardo Rezende. Este problema vem concomitante a outro, entre o GOB-BA (GOEB) e o GOB, que também vem sendo remoído desde junho de 2019. Ainda, tivemos o conturbado caso do GOSP, eclodido em setembro de 2018.

Além de São Paulo, Minas Gerais e Bahia, que estão entre os maiores estados maçônicos em número de membros e lojas, acumula-se outros casos de conflitos e intervenções em Grandes Orientes Estaduais, como em Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, etc.

Todos esses casos têm gerado instabilidade, não apenas no seio do GOB, mas também no meio maçônico regular brasileiro, visto que, em alguns casos, as outras potências regulares locais, Grandes Lojas da CMSB e Grandes Orientes da COMAB, precisam se posicionar quanto a intervisitação, etc.

E ao observarmos a história da Maçonaria brasileira, em especial do Grande Oriente do Brasil, vemos que não se trata apenas de casos recentes e isolados. O fato é que, desde que se implementou o atual sistema de Grandes Orientes Estaduais, o GOB enfrenta esse tipo de problema.

Como exemplo, tem-se a manifestação em conjunto de seis Grandes Orientes Estaduais, em 1962, reivindicando um novo “pacto federativo”, em que se concederia soberania aos mesmos. Os desdobramentos dessa reivindicação, aliados a um processo eleitoral conturbado, levariam à cisão de 1973. E essa espécie de reclamação não ressurge periodicamente… é permanente. Só que nem sempre é alta o bastante para ser escutada.  

O fato é que o GOB é uma federação, mas adotou uma característica que não é inerente a uma federação maçônica, o que, aparentemente, tem gerado mais de meio século de conflitos internos, que vivem a abalar seu pacto federativo.

Há algumas outras federações maçônicas mundo afora. Um exemplo clássico é a Grande Loja Unida da Inglaterra – GLUI. Ela possui uma série de Grandes Lojas Provinciais e Grandes Lojas Distritais, que devem obediência à GLUI. Sabe qual a diferença dessas Grandes Lojas Distritais e Provinciais para os Grandes Orientes Estaduais do GOB? Seus Grão-Mestres são nomeados, não eleitos.

Uma Grande Loja Distrital nada mais é do que um Distrito ou Delegacia Maçônica, com uma espécie de Delegado nomeado para administrá-la. E, em verdade, um Grande Oriente Estadual do GOB não deixa de ser exatamente isso, pois não emite placets e cartas constitutivas, nem pode firmar tratados com outras potências, dentre outras limitações.

Praticamente todos os conflitos entre os Grandes Orientes Estaduais e o GOB giram em torno do fato do GOB intervir em um Grão-Mestre Estadual que foi eleito pelo povo maçônico gobiano daquele Estado.

Um Grão-Mestre Estadual do GOB fez campanha, rodou a jurisdição, visitou dezenas de lojas, tornou-se uma liderança e foi eleito e empossado no cargo. Quando ocorre uma intervenção, o próprio termo, “intervenção”, acentua a gravidade do que é feito, pois é uma violação, mesmo que legal, em uma organização. A vontade daquele povo maçônico, de certa forma, é atropelada.

E é nessas horas de intervenção que aquelas dúvidas retomam “com plena força e vigor”: da razão dele ser um “Grão-Mestre” e não ter a autoridade que os Landmarks tradicionalmente adotados no Brasil concedem a um Grão-Mestre; da falta de autonomia, independência e soberania do Grande Oriente Estadual; da vontade de milhares de irmãos do povo maçônico local estar abaixo da vontade de uma única autoridade maçônica do Poder Central; etc. E então os desejos separatistas de alguns saem das sombras para sussurrar aos ouvidos daqueles mais e menos revoltosos.     

Entretanto, todo esse processo conturbado de intervenção, cisão, judicialização, é fruto do modelo organizacional adotado e, simplesmente, não precisaria acontecer se fosse adotado outro modelo. Um CNPJ Filial não se desliga da Matriz. E um Grão-Mestre Estadual nomeado não faz campanha, não é necessariamente uma liderança, não quer ter seus poderes igualados aos dos outros Grão-Mestres do Estado, não aspira soberania, e não sofre uma traumática intervenção. No máximo, uma simples exoneração.

Quer ser, de fato, uma federação? A sugestão é que crie 27 CNPJs de Filial para os Grandes Orientes Estaduais e nomeie seus Grão-Mestres Estaduais. Poderão ser chamados de Delegados Regionais, se preferir. Caso contrário, outra opção é se tornar uma confederação e dar soberania a eles, perdendo assim o poder de intervenção. Mas enquanto esse modelo híbrido jabuticabesco estiver em vigor, a previsão é de que o atual pacto federativo gobiano continuará a ser ferido, prejudicando lojas e irmãos, e causando instabilidade nas relações.

19 comentários sobre “Ser ou não ser uma federação maçônica? Eis a questão.

  1. e digo mais: não digo nada…

    1. E só digo uma coisa: só digo isso!

    2. Já tenho tem bons anos de maçonaria e sempre digo: “A Maçonaria se reúne numa só loja universal, entre homens livres e de bons costumes, que em toda a face da terra se reconhecem como tais e, no mais, fragmenta-se em pertenças potências disputando qual pode mais” Eugênio Eudes

  2. Completo. Mostra todo o problema vivido hoje pelo GOB e mais ainda, apresenta soluções. É triste o que vivemos hoje em Minas, muitos irmão desanimando.

    1. Perfeito, o artigo não é crítica pela crítica mas deixa claro a solução da questão

  3. É lamentável que uma ordem que se diz democrata ou democrática apele por não reconhecer a maioria de votos e sua eleição incontestável de um irmão. O que está havendo? A democracia destes irmãos virou ditadura? Que objetos obscuros os teria levado um descalabro desta natureza? Estariam ofuscados pelo poder ou são mesmo inimigos da lei e da ordem Maçônica, esqueceram os objetivos da ordem em favor de seus próprios interesses? É lamentável que 200 anos de maçonaria brasileira ainda não os atingiu o coração e o bom senso.

  4. Muito elucidativo

  5. Cumprimento o Ir. Kennyo Ismail pela cirúrgica análise das conturbadas relações dos Grandes Orientes Estaduais com o GOB.
    Por estas e tantas e tantas outras razões que tenho defendido desde a SUPREMA Congregação em novembro/2019, a Convocação de uma Nova Constituinte.
    Vivemos novos tempos. A sociedade mudou muito. O artigo 1o da vigente Carta Gobiana diz textualmente que somos uma instituição “tradicionalista e evolucionista”.
    Uma entidade que comemorou mais de 201 anos de existência não pode depender de emendas paliativas que não atendem as realidades contemporâneas.
    Uma colcha com muitos “remendos” acaba sendo rasgada a qualquer momento, até não servir pra mais nada.
    O tema é desafiador mas, merece de todos nós, da nova direção geral do GOB e da SAFL, uma séria e detida reflexão. SMJ!!!
    Ivo Matias
    GMEH-GOB-MT

  6. Complicado proibir a intervisitação, as relações entre os irmãos locais devem ser preservadas, as proibições do passado ainda estão na mente de muitos, penso quem uma intervenção poderá gerar uma instabilidade no seio maçônico.

  7. Essas questões políticas dentro da Maçonaria, por vezes chegam a ser mais deletérias do que a própria política proselitista do mundo profano.

    A vaidade de que se nutrem alguns maçons chegam a causar repulsa, uma vez que se esquecem por completo dos principios éticos, morais, filosóficos e espirituais que guarnecem a Ordem !

    T.’.F.’.A.’.
    NEWTON AGRELLA
    M.’.I.’. Gr.’. 33
    ARLS ESTRELA DO BRASIL 3214
    R.’.E.’.A.’.A.’. GOSP

  8. Acho que o instituto da intervenção é legítimo e legal, e se assemelha ao impeachment de governantes no mundo profano,diante de ilegalidades e abusos. Protege a comunidade maçônica que é defendida diante da ancia de poder, negando os recursos judiciais possíveis.

    1. Há apenas um equívoco na sua interpretação Irm. Flavio Renato.
      Nos casos de Impeachment de governantes este procedimento se dá na mesma estrutura de poder. Ou seja: é a Assembleia Estadual quem impede o Governador, a Câmara Municipal quem impede o Prefeito e a Congresso Nacional quem impede o Presidente. Não é o Executivo Federal quem intervem no Executivo Estadual, nem este no Municipal.
      Quando falamos em INTERVENÇÃO, é o EXECUTIVO de uma esfera de governo quem interfere no Executivo de outra esfera de governo que, no nosso caso, foi legalmente eleita e empossada.

  9. Tudo se resume em duas palavras: VAIDADE E PODER. Simples assim.

  10. São três as ditas peneiras da sabedoria – Verdade, Bondade e Necessidade.
    Penso que:
    a) A da Verdade tem baixa tamisação (peneiramento), pois, cada um defende a sua como sendo a única; e como têm verdades! Passa, pois, de tudo!
    b) A da bondade igualmente, pois, é individual, ou seja, não funciona em grupo; é só meditarem sobre comportamento humano; lamento, mas não serve para resolver conflitos de qualquer natureza ou tamanho..
    c) A da necessidade é a única que realmente faz uma adequada separação desta mistura explosiva de vaidade e poder; se a cada ação, onde quer que seja, perguntássemos sobre sua necessidade efetiva, o percentual de erro seria muito menor.
    Então, em visão própria, digo que não adianta rogarmos por verdades ou bondades; devemos sim, como mostra o Irmão Ismail, debruçar-nos sobre a necessidade de solucionar os impasses que teimam predominar dentro da realidade existente e buscarmos caminhos preventivos nas possibilidades alcançáveis. Novo pacto federativo? No País se fala disto sempre e nada evolui; Constituinte? Pode ser outro caminho para a discórdia e separação; será difícil atender a tantas vaidades, empoderamentos e necessidades individuais ou de grupos.
    Talvez mesmo, focar na maior fonte de problemas – a Soberania – seja o caminho mais curto – somos um país continental, com distâncias e diferenças culturais enormes, tornando-se um contrassenso continuar a insistir em qualquer projeto centralizador.
    A continuar como está ou focando em maior centralização, a insatisfação e a divisão só irão aumentar.
    Que os novos dirigentes, tenham novas visões.

  11. Essas questões evoluirão funeral após funeral. Muitos Grãos e seus asseclas passarão, até que a mentalidade mude.
    E essa crise não é da maçonaria, é de um sistema criado que não representa os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade. Que se sustentou por um período grande e criou verdadeiros personagens iludidos por um poder fictício! Quiçá por outras vaidades!
    Aquilo que deveríamos aprender: combater o despotismo, abrir mão das vaidades, sermos unidos fraternalmente; parece que deixou de ser importante.
    TFA
    Rodrigo Ortega C.’.M.’.
    ARLS Obreiros de Santa Cruz 3524
    GOSP

  12. Para mim uma confederação seria a solução. Todas as potências deveriam aderir a uma confederação e juntas lutar por uma maçonaria mais atuante, voltada tão somente aos seus principios fundamentais.

  13. Mário Behring.., lá em 1927 (imagino eu), já tinha percebido pelas dimensões continentais do Brasil, que um modelo centralizador não iria muito a frente, haja visto que somos “um continente dentro da america do sul” com diversos costumes e etc… São não foi por essa optica, foi por perceber que não tinha como gerênciar uma empresa do tamanho do GOB, já naquela epoca.
    E a proposta do Editor na solução do problema foi perfeita…Delegados distritais, o que o são, de fato.
    Sempre comparei os GM estaduais do Gob com os delegados distritais da GL, e os irmão achavam que eu estava fazendo pouco caso com os mesmos….como se fosse demerito….ou pior, como se fosse trabalho remunerado., o que em maçonaria é quase uma piada….muito pelo contrario, se tem uma coisa que fazemos aqui, é separar as verbas do orçamento caseiro, pra alocar nos emulumentos (supremos, demolay, e etc).
    Em questão de numeros, no estado onde moro, o Gob está sendo superado por uma Razão de 3,5x, por membros da GL, só a titulo de curiosidade.

  14. Um dos grandes problemas é que deixamos de focar naquilo que temos de comum e que se consistiria numa energia a ser utilizada para os assuntos internos (estratégias, planejamento, sucessão etc.) e para os assuntos externos (benemerência, ações culturais, presença e apoio em organizações como os CONSEGS, Conselhos Tutelares, Amigos de Bairro), para ficar discutindo quem tem maior poder ou razão (ou não razão). Com uma canetada, estimulam ou vetam a intervisitação ou o trabalho em conjunto de Lojas que, apesar de estarem filiadas a Potências distintas, desenvolvem projetos conjuntos, com membros participando dos graus superiores de REAA, do Real Arco, da Maçonaria de Marca e outras tantas organizações de estudos, as Lojas de Pesquisa, os eventos culturais como a Jornada Maçônica e os encontros dos membros correspondentes da Loja Fraternidade Brazileira. Tais decisões, há tempos, ocorrem sem uma consulta aos Irmãos das Lojas, aqueles que trabalham próximos de outros Irmãos que, de um dia para outro, não são mais reconhecidos, apesar de uma convivência de décadas. O Patrono de minha Loja, o PGM da GLESP Alcides do Valle e Silva, em seu discurso de posse, em 1950, já dizia que “Estamos na hora de encetar a nossa reeducação, para num ambiente harmônico, efetivar o maior dos nossos anseios que é o da Unificação de nossa fraternidade, dentro dos mesmos princípios de ordem, respeito e disciplina doutrinária, para que todos tenhamos os mesmos pensamentos ordenadores de ações iguais e obedecendo às mesmas leis e regimentos, sermos um só corpo, embora com muitos membros.”

  15. Kennyo cabe ai uma pequena correção.
    Os Oriente estaduais do GOB , emitem placets, nomeiam e autorizam instalações, e concedem licença de funcionamento provisória de lojas recém fundadas .
    Além de autonomia para criar e gerir seus recursos financeiros.

    Kennyo Ismail – Rafael, apenas para contextualizar, você está comentando o trecho do artigo que afirma que um GOE “não emite placets e cartas constitutivas, nem pode firmar tratados com outras potências, dentre outras limitações“. Reafirmo: 1) Eles não emitem placets. O verdadeiro emissor é o GOB. 2) Eles não emitem cartas constitutivas. Licença de funcionamento não é carta constitutiva. 3) E eles não firmam tratados.
    E tudo bem não fazer isso! Afinal de contas, são filiais. Tem coisas que só a Matriz faz. O artigo não discute isso, mas sim o fato de se dar às filiais personalidade de franqueados. Filial pertence à Matriz… Franqueado é um ser independente que opta por funcionar dentro das regras do franqueador. A relação Matriz-Filial é estável, enquanto a de Franqueador-Franqueado não.

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