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ESQUADRANDO O LIVRO “MAÇONARIA E ASTROLOGIA” DE JOSÉ CASTELLANI


Antes de mais nada, é importante registrar que José Castellani foi, sem dúvida, um dos maiores escritores sobre Maçonaria no Brasil. Um pesquisador sério, que muito pesquisou, escreveu e colaborou para o conhecimento maçônico, e por isso merece toda consideração e apreço da comunidade maçônica. As críticas feitas aqui são relativas à sua obra, “Maçonaria e Astrologia”, 3a Edição Revisada, Editora Landmark, e ideias contidas nela, e não ao autor.
Vejamos alguns erros encontrados no livro:
ERRO 1
Às vezes, ao lermos alguns livros de Castellani, a impressão que dá é que, se você leu um, você leu 20% de todos. Isso porque parte do conteúdo de um parece estar sempre repetido nos outros.
Para verificar se eu não estava apenas “implicando” com os livros do autor, peguei um outro livro de sua autoria, intitulado “A ação secreta da Maçonaria na política mundial”. Não precisei procurar muito para descobrir que não se tratava de implicância, e sim de um fato real:
No livro “A ação secreta da Maçonaria na política mundial”, todo o Capítulo “Origens Históricas da Maçonaria” (páginas 13 a 20, Ed. Landmark) é IDÊNTICO ao Capítulo I da Parte II do livro “Maçonaria e Astrologia” (páginas 51 a 58 desta edição analisada), sem tirar nem pôr uma única vírgula.
Essa prática infelizmente parece sempre se repetir em suas obras. Seus livros são como colchas de retalhos.
ERRO 2
Na página 55 da referida edição, Castellani afirma que:
 “(…) era patente o declínio das confrarias, no século XVI. (…) Estas, perdendo o seu objetivo inicial e transformando-se em sociedade de auxílio mútuo, resolveram, então, permitir a entrada de homens não ligados à arte de construir, não profissionais, que eram, então, chamados de maçons aceitos. (…) O primeiro caso conhecido de aceitação é o de John Boswell, lord de Aushinleck, que, a 8 de junho de 1600 foi recebido maçom – não profissional – na Saint Mary’s Chapell Lodge (Loja da Capela de Santa Maria), em Edimburgo, na Escócia.”
Em resumo, a visão apregoada por Castellani em, pelo menos, duas obras (com o mesmo texto, diga-se de passagem), é de que os maçons “aceitos”, ou seja, os “especulativos”, só surgiram na Maçonaria no final do século XVI. Porém, a Carta de Bolonha, documento histórico indiscutivelmente legítimo, comprova que, já no século XIII, havia pelo menos 10 maçons “aceitos” na Maçonaria de Bolonha.
ERRO 3
Sobre o nascimento da Primeira Grande Loja (pág. 56), há a seguinte afirmação:
“A admissão, em 1709, do reverendo Jean Théophile Désaguliers, nessa Loja, em cerimônia realizada no adro da Catedral de São Paulo, (…).”
Não existe qualquer literatura que confirme tal afirmação. Toda a literatura dá conta de que as primeiras menções sobre Desaguliers na Maçonaria se dão quando de sua eleição para Grão-Mestre. Por conta disso, Albert Mackey, um dos mais célebres pesquisadores e escritores maçons, registrou em seu livro “História da Maçonaria” que acredita que Desaguliers, Payne e Anderson foram iniciados imediatamente antes ou depois da criação da Grande Loja da Inglaterra (1717), já com o papel de serem líderes da mesma.
ERRO 4
Sobre a fusão da Grande Loja dos Antigos com a dos Modernos (pág. 64), Castellani escreveu:
“Em 1813, superadas todas as velhas rixas, os “Antigos” uniam-se aos “Modernos”, constituindo a Grande Loja Unida da Inglaterra (United Grand Lodge of England), que resolveu trabalhar segundo as normas ritualísticas dos “Antigos””.
Na verdade, quando da fusão das duas Grandes Lojas Inglesas, foi criada uma “Loja de Reconciliação”, no dia 07/12/1813, com o objetivo de definir as novas diretrizes ritualísticas. O resultado privilegiou os Modernos. As diretrizes firmadas pela Loja de Reconciliação foram adotadas pela Emulation Lodge of Improvement, fundada em 1823, quando da criação de seu ritual próprio, com poucas modificações.
O Ritual de Emulação é adotado pela maioria das Lojas Inglesas, mas não é o único, visto que cada Loja tem o direito de elaborar seus próprios procedimentos, desde que não fira as diretrizes da Grande Loja Unida da Inglaterra. A GLUI adota o Ritual Emulação em suas reuniões.
ERRO 5
O Capítulo III é sobre os Ritos Maçônicos. O primeiro Rito indicado por Castellani nessa obra é: “Rito de Emulação, ou de York” (pág. 68).
Em primeiro lugar, Emulação NÃO É rito. Emulação É ritual. Esse foi um erro extremamente grosseiro, pois o próprio Castellani inicia esse Capítulo explicando a diferença entre Rito e Ritual.
Em segundo lugar, é impossível misturar e confundir Emulação com York. O “RITUAL de Emulação”, composto apenas dos três graus simbólicos, nasceu após a fundação da “LOJA Emulação”, ou seja, ano de 1823. Já o RITO de YORK é composto por 13 graus e foi publicado nos EUA, em 1797, por Thomas Smith Webb, ou seja, pelo menos 26 anos antes.
ERRO 6
Ainda no pequeno capítulo dedicado aos Ritos Maçônicos, Castellani afirma:
“(…) o mais conhecido do público em geral, ou seja, dos não iniciados, é o rito que introduziu os Altos Graus maçônicos, acima do de Mestre Maçom: o chamado Rito Escocês Antigo e Aceito (…)”
Ledo engano. O Rito Escocês Antigo e Aceito tem como “data de nascimento” o dia 31 de Maio de 1801, quando foi fundado o 1o Supremo Conselho do mundo, em Charleston, Estado da Carolina do Sul, EUA. O Rito Escocês, composto de 33 graus, teve por base o Rito de Heredom, também conhecido como Rito de Perfeição, composto por 25 graus. Vê-se que o Rito Escocês já tomou por base outro Rito que já possuía Altos Graus. O próprio Rito de York, composto de 13 graus e publicado nos EUA em 1797, já estava em pleno funcionamento e possuindo 10 Altos Graus. A verdade é que, antes do Rito Escocês ser formado, existiram mais de uma centena de Ritos Maçônicos compostos por graus simbólicos e superiores.
ERRO 7
Mantendo a atenção sobre os Ritos, foi encontrado no livro o seguinte erro sobre o Adonhiramita: “O Rito Adonhirmaita surgiu em 1782, na França (…)”.
Ora, sejamos justos com o Rito Adonhiramita: a data de seu surgimento não é exata, mas sabe-se que o Rito surgiu, pelo menos, em 1744. Em 1782, ano que Castellani afirma que o Rito surgiu, ele já estava sofrendo sua decadência, sendo aos poucos abolido da França por conta do surgimento do Rito Moderno (1773).
ERRO 8
No Capítulo I da Parte III, referente ao Templo Maçônico (a partir da página 81), Castellani esqueceu de mencionar que um Templo Maçônico varia, e muito, de um Rito para outro. É dada grande atenção nessa obra aos detalhes da Abóbada Celeste, a Corda de 81 nós e as 12 Colunas Zodiacais, símbolos esses presentes num Templo do Rito Escocês, por exemplo, mas não presentes nos Templos de outros tantos Ritos. Informação essa importante, mas inexistente na obra.
ERRO 9
No Capítulo II da Parte III, que trata da Escala Iniciática (pág. 93), há uma outra omissão no mesmo sentido da anterior. Castellani registra que:
“(…) o candidato – como em outras instituições iniciáticas muito antigas, inclusive religiosas – fica encerrado, durante algum tempo, num compartimento isolado, como uma caverna, de onde ele sai, num determinado momento do ritual iniciático, como se saísse do útero para a luz. Em Maçonaria, esse compartimento é a chamada Câmara de Reflexão, onde o candidato permanece em meditação, antes de ser conduzido ao templo, para a cerimônia de iniciação.”
A Maçonaria não se restringe aos Ritos franceses e seus derivados. No Rito de York, Rito Schroeder e Ritual de Emulação, praticados no Brasil e em várias partes do mundo, o que existe é uma Sala de Preparação.
ERRO 10
No Capítulo III da Parte III, cujo título é “Os Cargos em Loja e os Sete Planetas”, o autor afirma:
“Embora existam variações, de acordo com o rito adotado pela Loja, alguns cargos são, geralmente, comuns a todos os ritos. São eles: DIGNIDADES:
Um Venerável Mestre, que é o presidente da Loja; um 1o Vigilante, que é o primeiro vice-presidente; um 2o Vigilante, que é o segundo vice-presidente; um Orador, que é o representante do Ministério Público maçônico em Loja, o guarda e defensor da lei; um Secretário, a quem compete lavrar as atas das reuniões e organizar o expediente.”
 Relevando o erro de acrescentar o Secretário como uma Dignidade, algo com certeza não unânime a Ritos e Obediências, Castellani fez o favor de citar logo o ORADOR em sua lista. Ao contrário da afirmação, talvez o Orador seja o cargo mais INCOMUM a todos os Ritos, pois não existe no Rito de York, Rito de Schroeder e Ritual de Emulação. Mais uma vez, parece que Castellani só considera a existência dos Ritos “latinos”.
CONCLUSÃO
Apesar do livro conter partes copiadas de obras anteriores, além de alguns erros históricos e conceituais que, de certa forma, desprestigiam o maçom adepto de outro Rito que não o Escocês, trata-se de obra interessante, muito bem escrita (como todas do mesmo autor), e que vale como fonte de lazer e aprendizagem, bastando que o leitor tenha o devido senso crítico durante sua leitura.

11 comentários sobre “ESQUADRANDO O LIVRO “MAÇONARIA E ASTROLOGIA” DE JOSÉ CASTELLANI

  1. Irmão Kennyo!

    Mais uma vez, parabéns pelo trabalho. Eu estava curioso sobre esse livro já faz um tempo, principalmente pela soma José Castellani" + "Astrologia", o que por si já torna a obra curiosa.

    Quanto aos equívocos do autor, bem, como nós sabemos infelizmente não é o único. Várias e várias obras de autores nacionais que eu tenho lido tratam a maçonaria unicamente como o REAA, e esquecem que a ritualística, cargos e até mesmo a decoração e formato do templo mudam muito de acordo com Rito/Ritual praticado.

    Fraternais abraços, multiplicados à moda

  2. Irmão Roberto, obrigado pelo contato. Espero sinceramente que alguns autores de nossa literatura maçônica recebem as constantes críticas dos leitores nesse sentido e elevem a qualidade das obras a outro patamar.

    Kennyo Ismail

  3. Parabéns pelo artigo, tem coisas ali que passariam desapercebidos por mim facilmente.

    Compartilhando da idéia do artigo, lendo outro dia um livro do conceituado Ir.Rizzardo de Camino (Dicionário Maçônico), me deparei com um equívoco do autor em dizer que: ''Egrégoras são entidades momentâneas, ou seja, que se formam a cada reunião, e são independentes, havendo uma em cada Loja''

    Um erro grosseiro também.

    Obrigado pela expansão da luz do conhecimento Kennyo, SFU!

  4. Estimado Irmão Kènyo, parabéns pelo artigo.
    A literatura maçônica atual pode ser passível de melhorias, mas para mim, iniciado há 25 anos, você nem imagina como ela melhorou. Lá pelos meados da década de 80 a bibliografia maçônica era uma lástima!
    Quanto ao artigo, quero voltar àquele nosso bate-bola sobre Lord Jonh Boswel não ter sido o primeiro “aceito”. Deixa eu arranjar um tempinho para fuçar meus “arquivos implacáveis”, como dizia Kurt Prober.

    Abraços e mais uma vez parabéns pelo blog.

    Vicente Alberto
    Loja Luzes da Fraternidade e Justiça
    Francisco Sá (MG)

  5. Meus Irmãos Rafhael e Beto,
    Obrigado pelo apoio, colaboração e comentários inteligentes como sempre.

    Kennyo Ismail

  6. Prezado ir.'. Kennyo,

    Quanto ao "Erro 6" descordo do ir.'., não sobre o aspecto hostórico, no qual teceu muito bem, descordo da sua interpretação quanto ao que o autor disse, ele não quis dizer que o rito escocês é mais antigo, pois esta foi a tônica que você desenvolveu, ele quis dizer que o rito é o mais conhecido entre os não iniciados, não posso falar de outros países, mas no Brasil sem sombra de dúvida, pelo ao menos no aspecto puramente empírico, o que mais vemos são os não iniciados se referindo aos 33 graus da Maçonaria (REAA). Morei no Rio até 2005, minha família por parte de mãe é do interior do Estado do RJ (várias cidades), a família do meu pai é do nordeste, principalmente Paraíba e Alagoas, e hoje resido em Porto Velho-RO, e dificilmente vejo um não iniciado se referindo, mesmo que não dando o nome, a outro rito que não o REAA. Muitas das vezes ele nem sabe o nome, mas só pela forma como fala sobre, percebemos que trata-se do escocês.
    T.'.F.'.A.'.
    Bernardo Galindo

  7. Nobre Ir. Bernardo Galindo,

    Participando do blog, e das discussões saudáveis, no texto o autor do blog se refere ao equívoco relacionado ao termo utilizado ALTOS GRAUS MAÇÔNICO, e não se o R.E.A.A. é ou não é mais conhecido pelos pro-fanum.

    ''… é o rito que introduziu os Altos Graus maçônicos, acima do de Mestre Maçom: o chamado Rito Escocês Antigo e Aceito''

    Como muito bem pontuou, não foi o R.E.A.A. que introduziu os altos graus, conforme indicado no texto supracitado, os altos graus já existiam muito antes da criação do REAA (1801).

    SFU

    Rafhael Guimarães de Freitas
    ARLS Jacques DeMolay 33
    GLMEES

  8. Ir.'. Bernardo,
    O Ir.'. Rafhael observou bem. O erro do Castellani, que critiquei no texto, foi relativo exatamente à afirmação de que o Rito Escocês foi o rito que INTRODUZIU os Altos Graus na Maçonaria, os graus acima do de Mestre Maçom. Houveram mais de 100 Ritos antes do Rito Escocês que possuíam Altos Graus.
    Destaquei a palavra "introduziu" para justificar a interpretação aplicada na crítica. Na verdade, afirmar que um rito específico foi o responsável por introduzir os Altos Graus na Maçonaria já seria um erro, pois os primeiros Altos Graus surgiram independentes de Ritos.
    Sobre popularidade, concordo plenamente com você, e nisso Castellani acertou ao citar o Rito Escocês como "o mais conhecido do público em geral". Não há dúvida sobre isso.
    TFA,
    Kennyo Ismail

  9. Reconheço o valor de Castellani, do da Camino, mas uma coisa que não acho correta é a maneira que os mesmos se propalavam "os arautos da verdade" – eram pesquisadores sérios, mas não isentos de falhas… Erravam também, e como digo a muitos irmãos – eles não são a verdade absoluta – são bons, quiça os melhores, mas são humanos – e ao escrever, devemos sempre ser isentos, citar fontes e referências – e não dizer "a maçonaria está cheia de achismos e EU sou a pessoa certa para falar disso…". Admiro demais os autores citados, mas não os uso como verdade absoluta – são minhas referencias, mas também os questiono – assim, vamos crescendo e lapidando a Pedra Bruta.

    Ah, gosto muito do seu blog e sempre o visito! Parabéns pelas publicações nos EUA – significa que seu trabalho é sério. Achei muito bom o trabalho sobre o Triplo Tau!

  10. Jurza, obrigado pelo comentário e parabéns pela sensatez. O que você escreveu é muito importante. Talvez alguns irmãos e leitores não possam imaginar, mas cada texto postado aqui é reflexo de dias e dias de trabalho, pesquisa, estudo, consultas, e uma infinidade de referências. Na verdade, cada breve artigo aborda tema sobre o qual poderia ser escrita uma obra inteira de centenas de páginas. Mas como blog, nos limitamos a comentá-lo apenas como forma de compartilhar algumas poucas informações, conceitos e opiniões, de forma a incutir nos leitores o interesse e a reflexão sobre o assunto.
    Recebo muitos e-mails e um ou outro são repúdios à ousadia de questionarmos as "lendas literárias" brasileiras, mesmo com respaldo de tantas fontes.

  11. Meu amado irmão:
    Tenho por Castellani um respeito e admiração induvidosos. Quando iniciei em nossos mistérios, no dia seguinte fui a uma livraria para adquirir algumas obras maçônicas. O dono da livraria, por sinal irmão, me indicou alguns e quando eu mostrei-lhe um livro do Castellani ele me disse: não compra este. Este autor é muito polêmico. Comprei todos os livros do irmão Castellani e ele realmente é extremamente polêmico. E graças as suas atitudes polêmicas contribuiu enormemente para o conhecimento maçônico. Fez história. Hoje com mais de uma década de Maçonaria continuo apreciando suas obras e as indicando para os amados, especialmente, aqueles que estão dando os primeiros passos, advertindo, é lógico, que ele é um autor polêmico.Contudo, hoje os leio com mais cuidado, com senso crítico mais apurado. Suas críticas, construtivas com certeza, também estão contribuindo para que nós possamos adquirir mais e mais sabedoria e fazer desta sabedoria um meio de conspirar a favor da sociedade em geral. Um TFA.

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