Quem acompanha este blog há mais tempo sabe que faz dez anos que chamo a atenção para a questão da inclusão de PCD na Maçonaria brasileira. Então, podem imaginar minha alegria a cada passo que damos nessa direção.
(Mas se você é daqueles que não sabem nem do que se trata, recomendo que, antes, leia este post antigo aqui do blog: https://www.noesquadro.com.br/conceitos/deficientes-fisicos-na-maconaria-brasileira-um-antigo-tabu/)
O fato é que, nesses dez anos, apesar de alguns autores também terem escrito a respeito e termos notícias de casos isolados em que candidatos com alguma deficiência física leve foram aceitos; ainda acompanhamos espantados manifestações medievais de irmãos condenando a indicação de candidatos cegos, cadeirantes, etc.
Como sabemos, as potências regulares brasileiras não têm explícito em suas constituições qualquer tipo de veto ao ingresso de PCD na Maçonaria. Contudo, todas têm, em suas legislações, a menção à observância dos “antigos Landmarks”. E, historicamente, esses Landmarks referem-se aos 25 Landmarks de Mackey, cujo 18º preconiza que os candidatos devem ser isentos de defeitos físicos e um aleijado não pode ingressar na Fraternidade.
Assim, a cultura maçônica brasileira, que difunde a falsa ideia de que esses Landmarks são universais e imutáveis, leva à discriminação por muitos irmãos, que utilizam do anonimato proporcionado pelo modelo de escrutínio secreto para garantir o veto a possíveis candidatos PCD.
O primeiro passo para quebrar esse paradigma foi do Grande Oriente do Brasil – GOB. Em 06/12/2019, o Conselho Federal do GOB deliberou favoravelmente à aceitação de candidatos com deficiência, o que, de certa forma, sinalizaria ao povo gobiano que tivesse contato com tal decisão de que a deficiência não poderia ser vista como um empecilho.
Já em julho de 2023, em Porto Velho, durante a 52ª Assembleia Geral Ordinária da CMSB – Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil, a Grande Loja do Pará (se não me engano) propôs a temática da Maçonaria Inclusiva, a qual foi aprovada. Como resultado, a CMSB promoveu seu IV Concurso Literário com esse tema e, à luz dos estudos feitos a respeito, a questão foi mais profundamente discutida na 53ª Assembleia Geral da CMSB, em julho de 2024, em Recife.
Dali, surgiu uma Interpretação do 18º Landmark de Mackey, aprovada por unanimidade no Seminário de Relações Exteriores dessa Assembleia, que poderá melhor instruir o povo maçônico das Grandes Lojas sobre a questão:
“É importante reconhecer que o contexto social e as normas mudaram significativamente desde a época em que o XVIII Landmark foi escrito. Naquela época, pessoas com deficiências físicas eram frequentemente excluídas da sociedade e, consequentemente, da Maçonaria, com base em preconceitos e estigmas. Hoje, vivemos em uma sociedade mais inclusiva, onde as pessoas com deficiência têm plenas condições de exercer sua cidadania, seja trabalhando, gerando seu sustento e participando ativamente em diferentes esferas da vida. Portanto, entende-se ser fundamental a reinterpretação do termo “aleijado” à luz dessas mudanças, ou seja, sob uma ótica social e não sob o aspecto físico.”
Desse modo, fica claro que não se está abolindo ou modificando qualquer Landmark, mas apenas oferecendo uma interpretação atual, considerando a intenção do legislador, Albert Mackey, no século XIX. Apenas deficiências que impeçam um candidato de se fazer presente às atividades maçônicas, bem como de arcar com as despesas da Ordem sem prejudicar seu sustento, devem ser consideradas.
Agora, o desafio é difundir esse entendimento, conforme a sabedoria de cada gestor maçônico.
De fato, a inclusão de homens de bons costumes é fundamental para resgatarmos a justiça maçônica nesse aspecto. Temos nesse espectro, pessoas bem formadas, foçadas e estudiosas. Diferente de um número relevante de pessoas “normais” que pouco ou nada contribuem para o aprofundamento dos estudos maçônicos
Sou PCD, autista, e recebi suporte devido a minha condição durante todo o processo de iniciação. Sou feliz pelo acolhimento que recebi, e espero honrar a minha existência na maçonaria. Apesar da minha deficiência, também sou pesquisador bolsista CNPq em ciências jurídicas, minha pesquisa trata sobre a inclusão de pessoas com autismo na acadêmia. Pelo objeto de pesquisa, também por ser um PCD, receber tal suporte, respeito e dignidade, me deixou altamente agradecido e impactado.
Bom dia. Pois sim, isso é edificante. Vejam só, tenho 30 anos de Ordem, fui VM em Ritos diferentes, Dep.Fed( GOB) ajudei a fundar 07 Lojas. Atualmente estou com a perna direita amputda ( transfemural) e agora? Teria que sair da Ordem? Pois bem!!! E isso vem regularizar as situações de vários irmãos e candidatos.
Será preciso mudar a ritualística… Tomara que para melhor, pois esta, em muitos ritos, é bastante contraprodutiva.
não precisa mudar nada… basta bom senso para entender o que é SIMBOLISMO…
Excelente luta e reflexão. Feliz pelo texto.
Ola, Kennyo. Já me peguei muitas vezes nessa discussão. O documento original esta em algum lugar na web? Gostaria de envia-lo no grupo da Loja. TFA!
Olá Irmão Kennyo. Dada a última frase, sobre o desafio sobre “o entendimento de cada gestor maçônico”, gostaria de saber a opinião do Irmão, sobre a Iniciação de um Cego total, com perda completa da visão.
Kennyo Ismail – Sou totalmente a favor. Inclusive, as principais Grandes Lojas do mundo têm rituais em braile. Ordem DeMolay e Filhas de Jó também têm.
A exclusão de pessoas com deficiência física de organizações que pregam valores universais como igualdade, fraternidade e justiça é uma contradição fundamental. A Maçonaria, cujo lema inclui a defesa da igualdade entre os homens, não pode, de maneira coerente, limitar o ingresso de indivíduos com base em características físicas que estão fora do controle de cada um. O verdadeiro valor de uma pessoa reside em suas ações, em suas condutas, e no impacto que gera no mundo ao seu redor. Isso, sim, é algo que o ser humano pode e deve controlar.
Eu, Allan Alex Bittencourt Neves, sou cadeirante, e minha família tem uma longa história ligada à Maçonaria. Descendo de vários maçons, meu avô foi um dos fundadores da Maçonaria na minha cidade, algo de que sempre me orgulhei profundamente. No entanto, apesar dessa herança e dos princípios que compartilho, estou impossibilitado de entrar na Ordem devido a questões relacionadas à minha condição física.
Aqueles que nascem com uma condição física que não controlam não podem ser responsabilizados por isso. No entanto, negar-lhes o direito de fazer parte de uma organização que se diz aberta a todos os homens justos e bons é privá-los da oportunidade de contribuir para a construção de um templo simbólico, um mundo mais justo e igualitário, como a Maçonaria se propõe a fazer. A verdadeira maçonaria não deve ser construída em torno de regras cumpridas literalmente, sem interpretações adequadas ao nosso tempo. O que é mais importante: o lema fundamental da Ordem, a essência do que ela é, ou um fragmento de um landmark considerado de forma literal?
Se o templo maçônico busca ser uma representação simbólica de um mundo ideal e igualitário, deve acolher todos aqueles que têm o desejo e a capacidade de servir a esses ideais, sem discriminação. A verdadeira elevação moral e espiritual não é limitada pelo corpo físico, mas sim pelos valores e ações que definem o caráter de um homem. Portanto, é incoerente impedir que pessoas com deficiência desempenhem um papel na Ordem, quando o verdadeiro propósito da Maçonaria é promover a igualdade e a fraternidade entre todos. suportemg1@gmail.com