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Desvendando o selo do GOB

O selo do Grande Oriente do Brasil é um belo exemplo de como a literatura maçônica brasileira é feita de forma reversa, ou seja, busca-se inventar ao símbolo significados diferentes do original, o que é extremamente mais fácil do que pesquisar seu significado original e preservá-lo. E assim, o significado original se perde…

Não pretende-se aqui tratar do moto em latim, da Constelação e a Lua, e da Estrela Flamejante, presentes no selo, mas de seu elemento central e pano de fundo, ilustrado por um relevo montanhoso banhado pelo mar.

Em 1967, o GMG e professor Álvaro Palmeira revelou que o selo do GOB somente surgiu em 1838, após o falecimento de José Bonifácio. E como se pode ver nos primeiros registros em que ele aparece, o rochedo ilustrado era o complexo do Pão de Açúcar visto pelo lado de Niterói, em que se vê, além do Morro do Pão de Açúcar, os morros da Urca, da Babilônia e do Leme. Evidentemente, com as limitações gráficas da época.  

Na gestão do GMG seguinte, Moacyr Arbex, e a seu pedido, Kurt Prober, que era autoridade em timbres, selos e medalhas no GOB, concordou com o Irmão Palmeira e ainda observou, com seu vocabulário característico, que nos emblemas originais não se via os três ou quatro picos elevados, “que foram sendo “cada vez mais pronunciados e destacados no correr dos anos, principalmente de 1900 para cá, numa série de novos timbres esdrúxulos e mesmo ridículos”.

Nada mais natural do que escolher o complexo de morros do Pão de Açúcar para ilustrar o selo, numa época em que o Rio de Janeiro era a Capital Federal e outros símbolos da cidade, como o Cristo Redentor, ainda não existiam. O Pão de Açúcar era o monumento natural do Brasil para os estrangeiros, que chegavam em navios ao país via Porto do Rio de Janeiro. A visão do Pão de Açúcar “por trás” e não pela visão tradicional da Praia de Botafogo, era o ponto de vista de todos os navios que chegavam à Baía de Guanabara. Mas também pode ter sido adotado em homenagem a José Bonifácio, que passou seus últimos anos em Niterói. Isso também faria sentido, considerando que as decisões do GOB eram tomadas lá nesse período e que sua residência provavelmente permitia tal visão do Pão de Açúcar.

Os selos das potências maçônicas geralmente apresentam alguma relação simbólica com a jurisdição das mesmas. Isso pode ser representado pela inclusão da silhueta do mapa do território, pelo uso das cores da bandeira, ou a inclusão de um símbolo característico do local. O selo do Grande Oriente do Brasil trazia originalmente o Pão de Açúcar. Similarmente, os selos do GOSC e do GOB-SC, por exemplo, apresentam a ponte que é símbolo de Florianópolis, capital daquele estado.

Mas, como tudo na Maçonaria brasileira, os registros são mal feitos e mal cuidados, às vezes até perdendo-se com o tempo. E, quando necessária uma explicação, é mais fácil e mais rápido inventá-la do que pesquisá-la. Sem uma referência e com as modificações mencionadas por Prober, o selo do GOB foi distanciando-se drasticamente de sua forma original.

Já na gestão de Francisco Murilo Pinto, o selo foi alvo do Decreto 0085, de 20 de novembro de 1997. Nele, registra-se “três rochedos, batidos por ondas violentas”, sendo esses três rochedos símbolos dos “três graus simbólicos”, sendo o Mestre o maior dos três. As ondas do mar representam “os vícios, os maus costumes, os inimigos”, mas a Maçonaria, representada pelos rochedos, “não se deixa abater”. Entretanto, até mesmo no website oficial do GOB, vê-se duas versões distintas do selo, sendo uma com os três rochedos mencionados no Decreto, em ordem decrescente, da esquerda para a direita; e outro com um único rochedo.

E foi assim que, aquilo que era símbolo do Brasil e suas belezas naturais, que era cartão postal aos estrangeiros que chegavam à capital do Brasil por navios, o complexo de morros do Pão de Açúcar, tornou-se os três graus simbólicos, aos quais, importante lembrar, o GOB não se restringia até 1951. E os três não se abalam frente aos vícios, em forma de rebentação. Entretanto, Aprendizes, Companheiros e Mestres nunca foram ilustrados como morros, e os vícios nunca foram ilustrados como ondas, muito menos na Maçonaria, que adota simbologia baseada na construção.

Desse modo, o selo original do GOB era mais ou menos assim:

UPDATE:

Desde que publiquei o artigo, tenho recebido algumas reclamações de irmãos, alguns que aprecio muito, discordando de que os rochedos do selo original ilustravam o complexo do Pão de Açúcar. Pude perceber nos argumentos que se trata basicamente de anacronismo, ou seja, julgam o símbolo pela visão atual, e não da época. Prova disso, é que um deles chegou a comentar: “No original, não é o Pão de Açúcar, não! Ademais, o Pão de Açúcar é regional e não nacional, eu suponho”.

O selo de uma potência nacional costuma trazer alguma relação com a nação. Na primeira metade do século XIX, o Brasil ainda estava muito longe de se interiorizar, o Rio de Janeiro era a Capital Federal, e as viagens eram comumente feitas de navio. Não havia um brasileiro letrado que não precisasse ir ao Rio de Janeiro pelo menos uma vez na vida e praticamente não havia estrangeiros que chegassem ao Brasil sem ir ao Rio de Janeiro. Quase todos esses tinham por primeira vista o Pão de Açúcar. O Rio era o coração e o cérebro do país e o Pão de Açúcar era, com toda a certeza, um símbolo NACIONAL. Se tivessem que escolher uma beleza natural para ilustrar o Brasil naquela época, dificilmente seria outra que não o Pão de Açúcar.

Um desses irmãos chegou a me mandar um artigo a respeito, publicado posteriormente a este e claramente uma oposição ao mesmo. Em resumo, quanto ao Pão de Açúcar, o artigo conclui que “não há evidências de qualquer documento oficial emitido pelo próprio GOB, que faça alguma menção deste tipo”. E acham que eu verifiquei a posição dos Grão-Mestres Gerais Álvaro Palmeira e Moacyr Arbex, e do escritor Kurt Prober de onde? De um centro espírita? Foi de boletins oficiais do GOB. Então há documento oficial emitido pelo próprio GOB que faça menção a isso, sim… Além do mais, o artigo compartilhado traz uma informação que reforça ainda mais a afirmação de ser o Pão de Açúcar: o Selo utilizado pelo primeiro Grande Oriente Unido do Brasil, em 1872. Quando da fusão, eles tiveram que redesenhar o selo para incluir o termo “UNIDO” no nome. E isso um pouco mais de trinta anos do surgimento do selo original. E nesse redesenho, numa qualidade visual superior ao primeiro, vê-se, claramente, que se tratava do Pão de Açúcar:

4 comentários sobre “Desvendando o selo do GOB

  1. Simplesmente sensacional, Kennyo Ismail, novamente surpreendente os “doutores de maçonaria” do Brasil, incrédulos do bom senso. Parabéns pelo artigo!

  2. Nosso Ir. Lucas Galdeano tem um trabalho muito bom sobre o selo, vale uma conversa sobre o tema.

    Kennyo Ismail – Tivemos essa conversa. Ele é uma referência para mim quando se trata desse tipo de assunto.

  3. Excelente texto artigo.

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